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Quando meus pés ganharam asas

Ela não saberia dizer de onde surgiu a crença. Mas, desde criança, tinha aprendido a olhar os sapatos de saltos altos com admiração especial. Talvez tenha se inspirado nas invenções de Walt Disney, que prometia um príncipe à pobre mocinha que usasse um sapatinho de cristal. O acessório ainda seria a peça mágica para ter um belo vestido, uma festa inesquecível e a possibilidade de se livrar das garras de uma malvada madrasta. Ah, que menina comum não sonharia em ter a seus pés o poder de se tornar a mais bela e mais amada princesa? Era como vestir a capa de poderes do Super Homem ou ter nas mãos a lata de espinafre que dava forças ao marinheiro Popeye.

Talvez não fosse nada disso, e sim, culpa do talento de ardilosos estilistas, que associaram sensualidade e poder aos saltos. Se fossem em tons de vermelho, então, mais atributos teriam. Ou talvez fosse apenas resultado de uma aceitação automática da construção de gêneros, um elemento de representação de passagem das fases da vida. Da infância para a vida adulta, toda mulher deveria ver a vida de cima, a uma pequena distância do chão.

Qual fosse a razão, a menina cresceu, fascinada por levar nos pés aqueles modelos que lhe prometiam elegância e postura ereta. Sapatos que lhe dariam falsos centímetros a mais e proporcional dose de confiança extra. E, assim, começou a colecionar modelos desses calçados. Das mais variadas cores e alturas. Havia para todos os estilos de princesas e para cativar príncipes dos mais diferentes gostos. Os pés podiam reclamar, mas ela acreditava que os sapatos mágicos transformavam qualquer plebeia em uma bela mulher.

Até que um dia colocou os pés, literalmente, no chão. A revelação veio junto com a explosão de fogos: brilhante e iluminada. Foi durante uma festa popular em Sarrià, um bairro de Barcelona. A mulher virou novamente uma criança durante a comemoração religiosa em homenagem à Virgem das Roseiras. Ali, ela pode correr das figuras vestidas de diabo e dos monstros que soltavam fogos pela boca. Ria. Fugia e se escondia da fera que cuspia chamas.

Naquela noite, sentia-se completamente livre, sem os grilhões que há muito levava em forma de saltos. Enquanto tentava despistar aqueles homens de preto, disfarçados com capuz e rostos pintados de preto, ela descobria que, depois de crescida, tinha amarrado os próprios pés. E explodiam novos fogos. Bum! As faíscas caíam na cabeça dos garotos que se jogavam debaixo da chuva de brilhos. Ela não ousaria tanto. Sem os sapatos altos, libertava os movimentos, mas não perdia o juízo. Não queria correr os riscos de se queimar.

Mas se sentia estranhamente feliz por poder saltar de um lado para outro da rua com uma ligeireza que não experimentava desde que era pequena. Suas últimas lembranças eram as de caminhar calmamente, concentrada na marcha, sem perder o equilíbrio do corpo e não ser derrubada pelos saltos de madeira. Agora, não precisava se preocupar com a retidão da coluna. Seus membros acabavam de assumir o controle de qualquer movimento possível. As pernas poderiam ir para qualquer lado. Saltitantes. Elas conheciam esses passos, só estavam adormecidos havia anos.

Os mesmos sapatos, que antes lhe levantava do chão e a fazia se transformar em um personagem que acreditava ser o que toda “menina deveria ser”, lhe roubava a chance de voltar a ser “a menina que queria ser”. Bum! Explodia novamente a boca do dragão. Explodia também o coração da mulher que voltava à infância. Em Sarriá, ela escutava o compasso acelerado no peito para levar o sangue às pernas e as fizesse mover com a destreza das de uma criança. O coração batia ao ritmo dos tambores que enchiam as ruas de som naquela noite.

Em meio ao cheiro de pólvora e de fumaça, ela respirava aliviada. Descobria, finalmente, sua verdadeira fonte de poder. Um objeto mágico que seria a chave de acesso a uma espécie de portal que lhe transformaria, a qualquer momento, em uma menina livre. Bastava usá-la.

Voltou para casa exausta. Pés latejando, dessa vez não porque estavam dobrados pelos saltos, mas porque correram livremente, em excesso e agora sentiam as consequências da letargia. Nada disso importava. Antes de se deitar, escolheu um lugar secreto para guardar aquela poderosa arma: lustrou seus tênis e os colocou de baixo da cama. Naquele lugar permaneceriam até o próximo voo.


DICAS DE COZINHA

DA SARA!

#1 

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#3

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